Publicação: “Público” Data: 15 de Agosto de 2010 Campeonato Nacional 2010 Taça de Portugal 2010 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2010 SOLUÇÃO DA PROVA Nº 7 (PARTE I) CONVITE FATAL Autor: Búfalos
Associados Tudo nesta história
trouxe à memória do Inspector Garrett um dos mais famosos e bem imaginados
romances policiais de sempre. Fora publicado na Colecção Vampiro com o n.º
18, chamava-se Convite para a Morte, tinha a assinatura de Agatha Christie e
a data de 1939. O original intitula-se Ten Little Niggers e foi recentemente
reeditado noutra tradução pelas Edições Asa, com o nome As Dez Figuras
Negras. Que arrojo alguém
ter tentado copiar a ideia original do romance, em que nove pessoas, acusadas
de terem cometido crimes não punidos pelos tribunais, são vítimas de um
assassinato em série, repondo-se a justiça pelas mãos de um juiz que no final
acaba por se suicidar, completando os dez culpados assim abatidos. As coincidências
entre as duas histórias eram evidentes. Vejamos algumas: 1 – Dez
desconhecidos entre si são convidados para um local de difícil acesso onde
acabam por ficar isolados. No romance é a Ilha do Negro; aqui uma mansão
remota na Fraga Negra, na zona do Gerês. 2 – A mensagem
gravada, após o jantar, acusando os presentes de crimes não punidos, que
todos parecem aceitar em silêncio, como quem se sente culpado. 3 – O poema
emoldurado encontrado em todos os quartos, equivalente na língua portuguesa
ao poema do romance em que os dez negrinhos vão morrendo, um após outro, até
não restar nenhum. O poema português foi passado a escrito pela pena de Mário
Cesariny de Vasconcelos e foi gravado em disco várias vezes, inclusive pela
voz de Mário Viegas, constando de uma antologia (livro e disco) editada pelo
Público. 4 – As dez
figurinhas de barro encontradas sobre a mesa de jantar, certamente destinadas
a ir simbolicamente desaparecendo, à medida que as vítimas fossem sendo
assassinadas. Tal como no romance. 5 – A assinatura
dos convites, A.N.Ónimo (pronuncie-se Anónimo) correspondente a U.N.Owen no
romance (leia-se Unknown traduzível para português por desconhecido). 6 – O texto escrito
na folha A4 encontrada no quarto da vítima, lembrando quase palavra por
palavra a confissão que o assassino do romance lança ao mar dentro de uma
garrafa e na qual descrevia como liquidara as suas vítimas. Só que aqui este
texto estava inacabado, naturalmente. Mas o que terá
acontecido para que o autor dos premeditados crimes não tenha conseguido
realizar os seus objectivos na totalidade? O primeiro sinal de que algo não
está conforme, é o facto de, dois dias após o crime, ainda estarem as dez
figuras intactas sobre a mesa, o que indicia que quem matou não foi quem
devia ter sido, para cumprir o romance. Houve um pormenor que deu a chave do
problema ao inspector. Todas as dez senhoras presentes se queixaram de ter
ficado sem os seus telemóveis no dia da chegada, mas a vítima foi encontrada
com o seu telemóvel. Esse pormenor aliado ao facto de se tratar de uma juíza
(no romance é um juiz) e portanto poder ter tido conhecimento dos factos que
alegadamente incriminaram todas as outras, era a explicação que faltava para
reconstituir a história. Vejamos: A juíza Ágata
Cristina terá planeado reconstituir o método usado pelo juiz Wargrave no
romance de Agatha Christie. Mas entre as acusadas havia alguém que também era
conhecedora de literatura policial, e que por isso adivinhou a maquiavélica
ideia da juíza e tratou de a liquidar antes que a sequência de mortes tivesse
início. Vejamos agora como
é que o Inspector chegou à conclusão de quem foi a criminosa. No telemóvel da
vítima, pelas 23h45, ficou registada a marcação de um número que não estava
atribuído. Será que a vítima, antes de sucumbir à hemorragia ainda teve tempo
para deixar uma pista sobre o nome da assassina? Tudo indica que sim, até
pela data e hora registadas. Percebendo que ia morrer, era inútil chamar a
polícia. Uma mensagem escrita poderia ser descoberta e apagada. O mais
inteligente seria digitar as teclas correspondentes ao nome desejado. Entre
as convivas, seis delas têm nomes com nove letras, mas só uma começa por uma
consoante correspondente ao dígito nove: Z de Zaida. Confirmando as nove
letras chegamos ao nome Zaida Neto. Terá sido pois à escritora de romances
policiais que não terá escapado o objectivo daquelas férias na Fraga Negra,
por ter logo descoberto os paralelismos com o romance. Até a estranha recusa
em arrombar a porta do quarto denuncia insegurança e talvez culpa. Dirigiu-se após o
jantar ao quarto da juíza, pois só ela podia ser a promissora assassina em
série por poder ter acesso aos processos judiciais. Com um qualquer pretexto
conseguiu entrar. O quarto ainda cheirava a plástico queimado. A confirmação,
de resto, viria a encontrar-se na confissão encetada na folha A4 e na
existência de cianeto de potássio e hidrato de cloral na gaveta da cómoda,
bem como o revólver que, segundo o romance, iriam servir para os vários
crimes e para o suicídio final da juíza. A Zaida, empunhando um atiçador de
ferro da lareira, agrediu a outra com violência partindo-lhe as duas pernas,
deixando-a imobilizada e depois, dando-lhe uma forte pancada no pescoço que
lhe atingiu a jugular, provocou a hemorragia fatal. Note-se que também o que
parecia serem cinzas provenientes de plástico e metal, pode indicar a queima
dos telemóveis. Após o crime, a Zaida terá fechado a porta do quarto pelo
lado de fora, atirando depois a chave para bem longe enterrando-a assim bem
fundo na neve. O crime da Zaida dificilmente ficaria por descobrir mas,
possivelmente, evitou deste modo a morte de todas as outras. A verdade é que
não lhe servirá de muito em tribunal. Nem todos os juízes leram Agatha
Christie. Mas também nem todas as juízas metiam ombros a uma iniciativa deste
calibre sem se assegurarem de que as condições atmosféricas iriam permitir o
total isolamento do local dos crimes. Afinal o temporal abrandou e também por
aí falharia o plano deste Convite Fatal. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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