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A PRENDA DE NATAL DA MARTINHA Paulo A Martinha
tinha cinco anos. Possuía cabelos castanhos encaracolados, que combinavam com
os olhos da mesma cor, e a cara era redonda, enfeitada com duas bochechas
gorduchas que alargavam o rosto sempre que um sorriso o enfeitava. Martinha vivia
numa casa que tinha um pequeno quintal. Morava com a mãe, o pai e o Pedro, o
irmão que tinha doze anos. No seu quarto de paredes verdes, tinha a cama, os
brinquedos e todos os materiais usados para recortar, moldar e pintar:
cartolinas; folhas de papel verdes, vermelhas, azuis, amarelas, brancas e
pretas; plasticina e boiões de tintas de quase todas as cores. Num dos cantos
do quarto, havia uma mesa baixinha para ela poder usar. Estava coberta com
uma capa plástica, também de cor verde, onde podia fazer todas as atividades
que quisesse e que pudessem sujar mais, como, por exemplo, pintar. A Martinha
tinha um gato que se chamava Malaquias. Tinha o pelo todo branquinho e era
muito brincalhão. Fora-lhe oferecido ainda muito pequeno, quando ela fizera
três anos. Gostara tanto do bichano, e este dela, que estavam quase sempre
juntos. O Malaquias até dormia no quarto verde. A Martinha era
uma menina muito curiosa. Todos os dias o pai ou a mãe levavam-na para o
infantário, onde ela, com as perguntas que fazia, deixava em dificuldades a
educadora responsável pela sala que frequentava com mais outros dezoito
meninas e meninos, todos vestindo um bibe verde com um canário do lado
esquerdo e uma margarida violeta do lado direito. – De que é
feita a Lua? – As estrelas
podem cair? – Os gatos
entendem o que nós dizemos? – De onde vêm
as pessoas? – Se os peixes
andarem fora de água morrem? Porquê? – Como é que
os elefantes podem crescer tanto e os gatos não? – Quem
inventou o mundo? Estas eram
algumas das perguntas que a Martinha gostava de fazer, obrigando a que lhe
fossem dadas respostas pelas quais os outros meninos e meninas não mostravam
grande interesse. Só ela escutava a educadora. Tantas tinham
sido as perguntas que já fizera, que estas haviam destruído parte da magia do
Natal que é oferecida à grande maioria das crianças. Para a Martinha não
havia Menino Jesus nem Pai Natal a fazerem visitas a desoras nas casas onde
habitavam crianças. Ela já sabia que as prendas lhe eram oferecidas pelo pai
e pela mãe. Mas não se
pense que era só no infantário que a Martinha fazia perguntas. Em casa não se
calava; estava sempre a tagarelar. O Pedro dizia que ela era a Buzina, o que
não arreliava nada a pequenita, que atendia sempre pela alcunha quando o
irmão a chamava. As perguntas que fazia eram tantas, que o pai e a mãe já não
tinham palavras nem ideias que pudessem satisfazer a curiosidade da filha. Martinha ainda
não sabia ler, mas esse não era um impedimento para folhear os livros que
havia lá em casa e que estivessem em pouso onde ela chegasse facilmente.
Claro que livros só com texto não lhe interessavam. Virava as folhas cheias
de letras, mas como não entendia nenhuma palavra, rapidamente os colocava em
sossego. Se os livros tivessem imagens, já era outro o procedimento: via e
revia vezes sem conta. Adorava as
enciclopédias ilustradas que o seu irmão já lera: sobre carros, estrelas,
pedras, países, planetas, animais e muitas outras coisas. Não entendia as
palavras, mas mergulhava nas imagens e decorava todos os pormenores. Depois,
após ter devorado as figuras, fazia imensas perguntas à mãe, ao pai e ao
irmão. – Como se
chama este animal? – Onde é que
vive? – O que é que
come? – Qual é este
planeta? – Está muito
longe? – Qual é
capital deste país? – Há lá muita
gente? Eram perguntas
sobre perguntas, que alimentavam uma enorme vontade de conhecer e saber tudo. Mas, uma
tarde, dez dias antes do Natal que se aproximava, a Martinha deixou de apenas
fazer perguntas. Declarou, simplesmente: – Eu quero uma
zebra! Procurando
encontrar todas as dificuldades que podia imaginar, a mãe tentou questionar
aquela vontade da filha. – Agora? Nesta
altura do ano? No Natal? – Sim! É a
minha prenda de Natal. Não achas bem? A mãe da
pequenita nem conseguia falar. – É uma linda
prenda de Natal. Eu porto-me sempre bem e por isso mereço que me deem uma
zebra. – Mas,
Martinha, as zebras só existem em África. – Não e não!
Há zebras em Portugal! E agora, para o Natal, eu quero que me deem uma! – Em Portugal,
Martinha? Em Portugal não há zebras. – Há em alguns
parques. A mãe não
desistiu. – Mas nós não
temos um parque para animais nem um jardim zoológico. – Mas temos um
quintal. Ela pode comer a erva de lá. As zebras comem ervas e não precisam de
entrar em casa. E agora, em dezembro, há muita erva para ela comer. O pai acudiu à
resposta que a mãe dera à Martinha. – A zebra é um
animal selvagem. É muito perigoso e não pode estar num quintal. – E depois
sentenciou: – Não é presente que possas receber no Natal! A Martinha
calou-se, parecendo aceitar a resposta, mas deixando o pai e a mãe
desconfiados e preocupados, pois conheciam bem a filha. Passou um dia,
passaram dois dias, e chegou o fim de semana, com o Natal a ficar cada vez
próximo, mas sem que o assunto voltasse a ser falado. Como era costume, a
Martinha ficou uma parte da tarde de sábado no quarto a ver livros, pintar,
recortar e a fazer tudo o mais que lhe apetecesse. Estava a tarde
a meio, quando a mãe foi chamar a filha para o lanche. Ao
aproximar-se da porta viu no chão várias manchas pretas. Pensou em voz alta. – Um mistério
para o Natal! Que bom! Só me falta vestir um fato vermelho e ser o detetive
Pai Natal. Imitando
aquilo que via o Sherlock Holmes fazer nos filmes,
baixou-se para analisar a origem dos vestígios e cheirou-os. Tinham aspeto de
pegadas de um animal. Cheiravam a tinta. A distância entre elas parecia
mostrar que o animal que as fizera levava passo de corrida. Passou a mão pelo
negro que enfeitava o chão e retirou a ponta dos dedos escuros. Uma vez mais,
falou. Apenas para si, pois não havia nenhum Watson que a pudesse ouvir. – A tinta está
fresca, as pegadas são de gato e vão na direção do quintal. Falava
enquanto se levantava e com os olhos seguia as marcas deixadas no chão.
Depois, olhou no sentido contrário, e os passos seguiram o olhar. Sentia-se
satisfeita com as suas capacidades detectivescas. Abriu a porta
do quarto. Estava vazio, mas viu um plástico verde, pintado de preto, e o
chão do compartimento ainda com marcas mais intensas que o seu exterior. Ouviu a água a
correr no lavatório da casa de banho e sem fazer barulho foi espreitar. A
filha apresentava as mãos cheias de tinta preta, que se esforçava por retirar
com a água, deixando o lavatório todo escuro e espalhando essa cor pelo chão.
De tão entretida que estava na sua tarefa, nem se apercebeu que a mãe a
observava. A mãe da Martinha,
qual Sherlock Holmes cauteloso, retirou-se sem
fazer barulho e seguiu as pegadas. O rasto dirigia-se para uma porta aberta
que dava para o quintal. Foi atrás da pista. Deu um passo
para o exterior da casa, tentando evitar as manchas negras e confirmou o que
já sabia sobre aquele mistério. O Malaquias
aproximou-se dela, com o seu passo preguiçoso, todo listado com tinta preta
sobre o pelo branquinho. O seu trabalho de Sherlock Holmes
terminara. O mistério estava totalmente esclarecido. Afinal, a
Martinha tinha conseguido a sua prenda de Natal. Fontes: Blogue Local do Crime, 20 de Março de 2024 Secção O Desafio dos Enigmas [181-182], 1 de Setembro e 10 de
Setembro de 2024 |
© DANIEL FALCÃO |
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