BLOGUE: CONCURSO
DE CONTOS POLICIAIS UM CASO POLICIAL NO NATAL O
CONTRATO | Fernando A.F. Aleixo O
FANTASMA DO HOTEL INFANTE SAGRES | Bernie
Leceiro A MINHA
NOITE DE NATAL | Paulo PRAZERES
DE NATAL | O Gráfico A
PRENDA DE NATAL DA MARTINHA | Paulo AMEM-SE
UNS AOS OUTROS | Inspector Moscardo YHWH | L. Manuel F.
Rodrigues CHEGARAM
OS PAIS NATAIS… | Abrótea A MORTE
DO PAI NATAL… | Paulo SONHO
DE UMA NOITE DE NATAL | Rui Mendes UM
CRIME NA NOITE DE NATAL | Paulo UM
NATAL DOS DIABOS | O Gráfico EM
FLAGRANTE! – SHORT STORY | Investigador Canário NATAL
A DOIS | Don Naype FELIZ
NATAL | Inspetor Al Vy Tã T A DEUSA
ESCANDINAVA | F. Mateus Furtado |
YHWH L. Manuel F. Rodrigues Dia de Consoada, em Burgau, finais dos anos 60. Como
habitualmente o Senhor Zeferino, um denominado vidente da aldeia de Burgau,
na parte da tarde, esperava a visita do seu cliente preferido… o Luiz que o
procurava para ler as crónicas rascunhadas em sebentas com folhas
amarelecidas… e desta vez, ao ver o menino chegar à sua barraquinha… atirou
de chofre: – Olá, Luiz! Já sei o que pretendes! Toma lá,
para ler, mais uma crónica do futuro… esta vai ser produzida no ano de 2007 e
irás gostar certamente! Os olhos do
garoto arregalaram-se… recebeu o caderno, sentou-se no banco habitual e
pôs-se a ler a nova crónica do Senhor Zeferino… que desta vez tinha um título
muito esquisito… “YHWH”… que significaria aquilo… (!?) e como o Luiz adorava
os nomes das crónicas que indiciavam o seu conteúdo! A NOITE estava
fria! Saíra à rua sem qualquer razão… foi por instinto sem qualquer intuito
furtivo. Ia fazer não sabia o quê… A neve suspendera de surpresa a sua
precipitação gélida e diáfana, por isso ele resolvera ausentar-se
temporariamente do aconchego do lar e embrenhar-se na fuligem da noite onde
as ruas e as árvores que as circundavam, bastante iluminadas, com luzes
cintilantes e coloridas de efeitos natalícios, não conseguiam completamente
ofuscar! Todavia,
ostentava no rosto uma espécie de competição íntima… Para trás deixara a
mulher e as suas três filhas a deliciarem-se com as tarefas domésticas,
triviais em vésperas de Natal. Filhós, bacalhau, polvo, couves, sonhos e
outras coisas mais entre gritos de “passa-me
a farinha”, “vai-me buscar o óleo à
despensa”, “não te esqueças dos
ovos”, “as batatas já estão
descascadas?”, “ai que me queimei…” E foi
precisamente neste interregno dos preparativos da consoada que ao espreitar
pela janela se aprestou a vestir a bastante usada samarra e sorrateiramente
decidiu-se a ir dar uma volta… Pretendia estar só para provar a si próprio,
uma mania e ousadia (!), que sozinho é que se está bem, contrariando as
inúmeras teses de vários colegas de profissão e amigos que se lamentavam
frequentemente de viver sem companhia… solteiros, viúvos, divorciados, entre
outros. “Quão dolorosa é esta vida”,
diziam eles. Com uma família de cinco pessoas, ele replicava: “– Qual quê!?
Sozinhos é que vocês estão bem… Ninguém vos chateia… Tomara eu…!” Era este o seu
desafio… estar só naquele momento para provar que ele é que tinha razão. -----oooOooo----- Olhou de
soslaio para o seu carro estacionado, semicoberto de geada e pôs-se a pé…
Atravessou a estrada e subiu a avenida. Andou absorto alguns metros, ao
acaso, até que avistou, num recanto, uns vultos na escuridão que pareciam
estar em rebuliço... e de repente ouviu um grito baixo, rouco e abafado
solicitando “socorro”! Correu na direção daquilo que lhe pareciam ser... três
pessoas! Duas de braços e mãos no ar envolvendo uma outra que aparentava
estar a ser atacada prostrada de joelhos! Na sua aceleração gritou: “Eh! O que se passa aí!?”... Os
supostos assaltantes ao ouvirem a sua voz puseram-se em fuga! Ao aproximar-se
do agredido ao ver o seu estado lastimável, comentou para o indivíduo: “– Mas, o senhor está ébrio, sem dúvida!”
– concluiu. E continuou a
conversa: – Então, amigo, quem eram aqueles?... O que faz
por aqui?... – Hic, sim, não tenho
ninguém para me acompanhar na noite de Natal… E ainda por cima aqueles
dois... levaram-me a carteira com o pouco dinheiro que ainda tinha! Ficou
cismático, mas respondeu, convicto... – Ora, então devia sentir-se radiante, excetuando
o assalto, sozinhos é que estamos bem… – comentou. – Não diga isso homem, eu vivo só há muito tempo,
depois de uma vida feliz com mulher e filhos e não sei o que hei de fazer à
minha vida…! – desabafou o
estranho e continuou… – Olhe, neste momento, só tenho esta companhia
(exibiu uma garrafa de whisky na mão esquerda) e já estive a comer uma pizza
numa pizzaria! Você lá sabe o que é estar só em casa, sem ninguém!? Chegamos
lá, à noite, a mesma está fria, gelada, sem uma ponta de mimo, sem calor
humano… nem me apetece confecionar comida. Janto sandes e coisas enlatadas.
Às vezes nem mudo de roupa, sento-me no sofá vejo televisão e adormeço… De
manhã acordo, lavo a cara e vou para o trabalho… Não me apetece fazer nada e
a casa está sempre suja, desarrumada, húmida… Quem me dera que a minha mulher
voltasse para mim e me devolvesse os meus filhos… É que isto de estar e viver
só, tem muito que se lhe diga… uma coisa é querermos estar sós, sabendo
conscientemente que temos família em casa… há sempre o regresso e a família
lá está à nossa espera, mesmo havendo discussões e muitas arrelias… outra
coisa é estarmos e permanecermos realmente sós e vivermos sem qualquer
companhia!!! Não desejo isto a ninguém. É horrível. É uma miséria… Ele ouviu,
primeiramente perplexo e depois sereno, esta comunicação de desgostos daquele
homem desconhecido e abruptamente como que atingido por um vislumbre
fulminante retorquiu: – Oh, homem, venha daí vamos passar a consoada a
minha casa!... Esquecera-se
completamente do propósito da sua misteriosa saída noturna. Caminharam juntos
até à sua residência. A porta cá em baixo estava entreaberta… estranhou
porque ficava sempre trancada! Subiram as escadas e chegaram ao seu 2.º andar
esquerdo daquele prédio trintenário… Ele à frente, como um cicerone
qualificável, o solitário na retaguarda. Colocou as mãos num dos bolsos do
agasalhado vestuário em busca da chave da porta e curiosamente não a
encontrou… Voltou-se para trás e comentou para o seu novo amigo: – Não compreendo, quase jurava que tinha o
porta-chaves no bolso! Não faz mal, tocamos à campainha. E assim
sucedeu em simultâneo com um último desabafo: – Amigo, prepare-se para a confusão… vai voltar a
gostar de ficar só!... Trim… trim… (som da campainha). A porta
abriu-se e deu de caras com a esposa. – Amigo, venha daí... – exclamou
virando-se para trás… Não viu ninguém... (!?) Estava só! Ficou estupefacto!
Que coisa... O homem tinha desaparecido...! Proclama a
mulher, perante a perturbação e o rosto pasmado do marido: – Oh, homem, saíste!?... O que é que tens, o que
foi!? Parece que viste um fantasma?? – interrogou-se. – Hem!? Não, nada, eu… não foi nada… fui só até
lá fora espairecer… – justificou-se. -----oooOooo----- Entrou de
ombros encolhidos e despiu a pesada e confortável samarra enquanto o seu odor
preferido de bacalhau cozido com batatas se expandia pelo hall de entrada. Olhou novamente para
a porta de acesso ao seu lar, doce lar (!?) e mantendo-se intrigado, depressa
o mistério se desvaneceu proferindo de seguida para as filhas que estavam na
cozinha: – Queridas, vamos ao bacalhauzinho que deve estar
delicioso, como sempre…! Entrou na sala
e aconchegou-se no sofá, a televisão estava ligada. Antes de se sentar à mesa
e enquanto meditava no sucedido olhou para a deslumbrante árvore de Natal da
família – era repetidamente a mesma, na última dezena de anos! – e lá
observou com um sorriso matreiro os embrulhinhos da praxe a si destinados… De
certeza, mais uma vez, as prendas da garrafinha do tinto especial e o aftershave juntamente com a
água-de-colónia de marca, para não lembrar das peúgas e cuecas, estavam
prontinhas para serem desembrulhadas…! Mas, primeiro,
havia que degustar o tentador e irrepreensível fiel-amigo!! -----oooOooo----- Entram na sala
de rompante com as travessas na mão, compostas de suculenta comida, as suas
três filhas e exclamam num misto de irritação e carinho, em uníssono: – Papá, ainda não te descalçaste…!?! Natal de 2007 Fontes: Blogue Local do Crime, 20 de Maio de 2024 Secção O Desafio dos Enigmas [185-186], 10 de Outubro e 20 de
Outubro de 2024 |
© DANIEL FALCÃO |
|
|
|