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O CONTRATO Fernando A.F. Aleixo Conheceram-se
muito jovens, de tenra idade, ela mais nova do que ele seis anos, ele vindo
do Alentejo para trabalhar, aos 14 anos, numa oficina de mecânica estávamos em
1974, no ano do “25 de Abril”, da liberdade. Mina, diminutivo de Felismina,
era assim que era conhecida no largo onde brincava e recebera o nome
proveniente da avó materna, uma exigência da sua mãe, sempre foi assim,
dar-se o nome aos herdeiros, dos antepassados. Por coincidência a alcunha
dele era o “Mino Alentejano” porque se chamava Felismino e talvez, também por
isto, quando se conheceram na rua, e disseram os nomes um ao outro, um
sorriso infantil e cúmplice se apoderou dos dois. Passaram-se mais quatro
anos, ela já tinha 12 e ele 18, embora o alentejano, tímido e algo complexado
continuasse menino, na lisboeta já se notava um corpo de senhora… esbelto e a
desenvolver-se pelo que já quase não se notavam as diferenças de idades! As
saias curtas que a Mina usava e os seus peitos que pareciam querer saltar
para fora das pequenas t-shirts que vestia, eram bastante observados pelos
mais velhos, colegas de profissão do Mino, mas evidentemente ainda se tratava
de uma criança! Até que veio o
serviço militar e o Mino depressa foi chamado para a Polícia do Exército,
pois a Polícia Militar tinha-se extinguido após o “25 de Abril”. Nessa altura
já saíam juntos aos domingos, Mina já completara 15 anos… estava uma mulher,
mas continuava a estudar, nada de trabalhar! O trabalhador era o Mino.
Recruta militar em Portalegre, Escola de Cabos na Ajuda, porque o “Mino
Alentejano” foi dos melhores em notas de testes e recambiamento para Elvas,
mas depressa se passaram ano e meio e ele voltou mais forte, mais homem, Mina
já fizera 16, quase 17 e o que ela se ria quando o tropa erguia os músculos e
mostrava as suas asas evidenciando as costelas! A rapariga tocava-lhe no
corpo e ambos estremeciam. Pretendentes eram muitos, aos dezassete anos não
faltavam, mas a moça parecia saber esperar e sempre se mostrou fiel ao
alentejano. Da oficina ele via-a na rua, no largo, no passeio, na varanda de
sua casa que se situava mesmo em frente à Oficina e ele lá ia pensando…
“aquela vai ser a minha mulher…” “nem que se pintam”! Mas… tinha de esperar…
os pais só davam autorização para namorar aos 18 anos. Primeiro os estudos,
diziam à Mina. A jovem chegou à idade maior… o rapaz, homem, tinha 24, mas
quando estavam juntos a felicidade era enorme! Ela não era muito alta, mas
tinha uns olhos grandes, negros e um cabelo encaracolado igualmente de cor
preta e quando sorria o sol brilhava e fazia entontecer qualquer um que dela
estivesse próximo. Ainda
namoraram três anos dando tempo para o alentejano levá-la à sua Terra Natal e
dá-la a conhecer aos seus pais dizendo repetidamente para a sua mãe que “a
Mina era como a Mãe… boa dona de casa, sabia fazer comer, etc…”! A Oficina de
Mecânica elegeu-o à categoria de Oficial de 1.ª Classe devido às suas
qualidades de bom homem e excelente operário e depressa veio o casamento, uma
cerimónia simples, só para familiares e amigos porque o dinheiro não
abundava, as famílias eram pobres, mas o que ele ganhava deu para fazer um
empréstimo bancário e compraram uma casa nos Olivais Sul. Mina, entretanto,
começou a trabalhar acabou com os estudos e no segundo ano após o casamento
chegou a primeira filha. O amor que os unia era sublime de paixão única
amavam-se inequivocamente. Ele deixou crescer o bigode pela alegria do
nascimento da sua primeira filha! Ela ainda continuava de cabelo
encaracolado, mas perdeu os caracóis e alguma juventude porque no ano
seguinte, por alturas do Natal receberam a “visita” de mais uma filha! Dois
anos mais tarde… nasceu outra menina e finalmente, após 11 anos de união,
chegou um rapaz, de olhos azuis, como o pai, já que as raparigas tinham,
todas, os olhos negros! Os anos foram
passando, mas dado o crescimento da família a Mina deixou de trabalhar e
“foi-se abaixo” quando perdeu os seus pais e o irmão, mais novo, num acidente
de viação. Agarrou-se aos filhos para se aguentar na vida. Os subsídios eram
poucos e o alentejano começou a trabalhar à noite, como Segurança de uma
Empresa privada para ganhar mais alguns trocos. Os filhos
cresceram passaram-se 20 anos, 25, formaram-se, todos, mas as dívidas de
empréstimos bancários aumentaram – só assim conseguiram pagar as Faculdades –
e… o dinheiro já não chegava para tudo. Mina desesperada começou a frequentar
uma Associação Humanitária de ajuda às famílias mais necessitadas e lá iam
vivendo. Os filhos, os 4, embora formados, não conseguiam arranjar emprego.
Até que um dia Mina se chegou junto do marido e abraçou-o de uma maneira
diferente! Ele surpreendido, perguntou-lhe: – Mas, o que é
que se passa!? – Oh, Mino… na
Associação conheci uma pessoa, um homem muito rico! – O quê!? Ai,
ai… – comentou ele preocupado. – Só ele nos
poderá ajudar... – Mas como!? – Vou casar
com ele!! – O quê!?
Estás maluca!? – Já me deu
dinheiro e pagou algumas das nossas dívidas! – Oh, pá…
fizeste isso!? E mais o quê com ele!? O rosto de
Mina estava repleto de lágrimas e o Mino também começou a chorar! – Não, não,
não, não! Vais acabar tudo, hoje mesmo! – gritou ele. – Não! Vamos
tratar do divórcio e fazemos um contrato. – justificou a mulher. – Qual
contrato!? - interrogou o homem, assustado. – Eu caso com
ele, ele não tem herdeiros, é muito rico, tem patrimónios, terrenos, empresas
e sei lá que mais. É solteiro. Nunca casou. É comerciante. Deixa-me tudo, se
morrer!… – Mas o que é
que estás a pensar!? – É isso
mesmo… Eu mato-o, enveneno-lhe a comida e volto para ti!! Ficamos ricos. Continuaram a
chorar, os dois, e após algumas horas, mais calmos, o contrato foi selado. Não havia
volta a dar! Mino impôs condições… primeiro tinha de abordar o indivíduo e
mostrar-lhe que se opunha ao seu divórcio e depois quem o iria assassinar
seria ele próprio livrando a Mina de tal tarefa e assim fizeram. Mina continuou
durante algum tempo a sair com o amante e numa noite o marido procurou-os foi
de encontro ao tipo e disse-lhe: – Você não tem
vergonha de andar com uma mulher casada!? Está a destruir uma família bonita!
– vociferou enquanto deu uma fumaça no seu cigarro (sempre fumou!) e expeliu
o fumo para a cara do sujeito que tossiu. – Eu farei o
que ela quiser! – respondeu a pessoa, serena e sem mostrar receio. O “Mino
Alentejano” deixou-os e foi-se embora. Tempos depois o divórcio. Os filhos
aceitaram a desunião, mas nunca perguntaram porquê! Três foram viver com a
mãe e só o mais velho ficou em casa do pai. A vida melhorou para ambos os lados.
As dívidas foram saldadas. Nas festas Natalícias as prendas abundavam e a
casa do Mino enchia-se de ofertas vindas do lado da ex-mulher. Encontravam-se
às escondidas sem ninguém dar por isso, à noite, ou quando o comerciante se
ausentava em negócios. O contrato estava a ser bem-sucedido e cumprido. Até
que chegou o dia do seu final e o Mino já tinha adquirido uma pistola por
meios menos abonatórios e ilegais. Combinaram que seria no dia de Natal,
daquele ano, que o comerciante iria deixar de existir. O alentejano
agasalhou-se, comprou um novo maço de cigarros, carregou a pistola e
dirigiu-se ao local combinado com a ex-mulher. Ela arranjaria maneira de ir
com o seu atual marido até um sítio ermo, em passeio noturno, festejando o
Natal, para desanuviar da ceia da véspera onde a comida e os doces abundaram! Mino quando
chegou ao sítio combinado… o carro da vítima já lá estava! Aproximou-se de
arma em punho. O comerciante quando o viu… saiu do carro, sem medo, para
enfrentar o alentejano. – Não faças
isso! – gritou ela. Nem houve
tempo para discussões. Um tiro ecoou… o homem tombou! Sangue no chão. Um
cigarro aceso na mão esquerda. A pistola na outra mão. Arma guardada no
bolso, fumarenta. Cheiro a pólvora queimada! Os dedos quentes e nus do Mino
nem se preocupavam com o frio existente. Ele, sabedor, apanhou a cápsula
proveniente do disparo. Olhou de novo para o corpo derrubado. Deu mais uma
fumaça e atirou o cigarro para a cara do morto com um esgar de raiva. Beijou
a sua amada e voltou-lhe as costas de regresso a casa. Mina deixou-o
ir… para depois procurar socorro e contar a história à sua maneira. O contrato
tinha terminado e tudo parecia perfeito. Daqui por uns tempos voltariam a
estar juntos… só que nunca imaginaram que tal jamais voltaria a suceder… porque
a penitenciária iria ser o lar futuro dos dois! A Polícia
Judiciária facilmente deslindou o caso… Fumar mata, mas também pode levar à prisão! Fontes: Blogue Local do Crime, 5 de Dezembro de 2023 Secção O Desafio dos Enigmas [174-175], 10 de Fevereiro e 10 de
Março de 2024 |
© DANIEL FALCÃO |
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