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CONCURSO DE CONTOS POLICIAIS

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A MINHA NOITE DE NATAL | Paulo

PRAZERES DE NATAL | O Gráfico

A PRENDA DE NATAL DA MARTINHA | Paulo

AMEM-SE UNS AOS OUTROS | Inspector Moscardo

YHWH | L. Manuel F. Rodrigues

CHEGARAM OS PAIS NATAIS… | Abrótea

A MORTE DO PAI NATAL… | Paulo

SONHO DE UMA NOITE DE NATAL | Rui Mendes

UM CRIME NA NOITE DE NATAL | Paulo

UM NATAL DOS DIABOS | O Gráfico

EM FLAGRANTE – SHORT STORY | Investigador Canário

NATAL A DOIS | Don Naype

 

NATAL A DOIS

Don Naype

O café fechara mais cedo. Lembrou-se então e lembraram-lhes os empregados, que era véspera de Natal. As notícias da guerra puseram-no triste. Saber da morte, violência e destruição, magoava-lhe a alma. Saiu para a rua, levantou a gola do casaco para proteger as orelhas do frio, e num gesto quase automático, acendeu um cigarro. As pessoas enchiam as lojas e as ruas. Grande movimento contínuo, compras de última hora para fazer. Pegou no telemóvel e contactou a família e os amigos, para saber da consoada. Surpresa. Achavam-se todos ausentes, saíram para o estrangeiro. Inovadores dias os de hoje, que na quadra da fraternidade ‒ porque essa, está ausente todos os dias do ano, e é agora temporariamente requisitada ‒ as pessoas mais próximas de si, pensam que ir para fora, como dizia o poeta, é quando o homem quiser.

Andava oco de pensamentos positivos, quando ao virar uma esquina alguém chocou com ele. Era uma senhora linda. E acendeu-se no seu interior um flash. Eu a conheço, de onde?

Curiosamente ela sentiu o mesmo.

‒ Tu não és o César?

‒ Sou.

‒ Raquel?

‒ Sim.

Sorriram e cumprimentaram-se. Enquanto se olhavam, ela pensava para si mesma, eu não me chamo Raquel, porque disse que sim? Ele atónito, pensava também com os seus botões, não me chamo César, porque concordei?

‒ Vamos tomar café?

‒ Onde? Está tudo fechado.

‒ Procuremos. Tem de haver por aí qualquer coisa.

César deitou fora o cigarro, e apagou a beata com a biqueira da bota. Procuraram algum estabelecimento em atividade. Ouvia-se a música Natalícia, e a luz decorativa posta nas ruas já estava ligada. Descortinaram então uma roulotte bar. Sentaram-se e pediram dois cafés.

‒ Que Natal estranho, irregular, tão fora do normal e estabelecido. ‒ disse ele.

‒ Onde está o amor ao próximo, o são convívio, a entreajuda, a união, a procura do bem comum?

‒ Creio que em vias de extinção. ‒ Respondeu ele.

‒ Quase não há espécie nenhuma, hoje em dia, que não esteja nessa situação. – disse ela com ar de reprovação.

‒ Tenho receio que a humanidade para lá caminhe. O seu instinto predador talvez se aplique a si mesmo. ‒ Concordou ele, acendendo outro cigarro.

Ficaram os dois uns momentos calados.

‒ Venho da Lapónia. ‒ Interrompeu o silêncio, a suposta Raquel ‒ Sou influencer há uns anos, e tenho lá inúmeros de seguidores. Desloquei-me, para fechar alguns contratos de publicidade, a produtos da região.

‒ A sério? Eu tentei a minha chance como youtuber, porém os meus conteúdos tiveram pouca aceitação. Nem um contrato de publicidade para amostra.

‒ A Lapónia é conhecida como a casa do Pai Natal, o seu turismo roda e desenvolve-se à volta disso. É também a terra do sol da meia noite e da aurora boreal.

‒ Esses regalos da natureza, são também fortes atrações, e até obscurecem o Pai Natal.

‒ Achas correto nós adotarmos o Pai Natal, como o ser misterioso, que entrega os presentes descendo pelas chaminés, quando no tempo dos nossos pais, essa tarefa era do Menino Jesus? ‒ Perguntou ela, enquanto arrumava com a mão, a franja deslocada pelo vento.

‒ O Menino Jesus, ficou associado ao sapatinho e à peúga. Os tempos mudaram. Agora, telemóveis, portáteis, e outras coisas no género, é que é.

‒ Daí a sua substituição pelo pai Natal?

‒ Podes crer.

‒ A nossa consoada vai ser aqui ao relento, com este de frio de rachar e ameaças de queda de neve? ‒ Perguntou-lhe ela com um ar, um tudo nada, inquieto.

‒ Nada disso. Sei de um hotel, que tem uma perfeita ementa de Natal.

‒ Então vamos lá. Deixa-me ver se encontro as chaves do carro. Estão aqui.

O hotel não era longe. Não se supunha, que ali funcionasse um estabelecimento, com aquele número de estrelas Michelin. Chegaram. O empregado foi arrumar o automóvel. Foram para a suite, onde ele costumava ficar. A ementa era a dar para o tradicional, com filhoses, coscorões e aguardente. Havia mais bebidas no minibar privado. Cearam, deitaram-se, e comungaram do amor, do carinho e ternura a que se entregaram.

E já em pleno dia de Natal, um flash inesperado, irrompeu como um corisco, e passou de um para o outro. E ele soube de onde a conhecia, e era ela. E ela recordou-se de onde o conhecia, e era ele. Na lista negra, que outrora a rede de espionagem lhes fazia cumprir, cada um tinha sido para o outro, um alvo a eliminar. Missões não cumpridas. Situação embaraçosa. Que fazer? Nenhum deles se deu por conhecido.

‒Trocamos de presentes? ‒ Perguntou, com um mal disfarçado nó na garanta, o suposto César.

‒ Já que não comprámos nada, ‒ ela mirou as bebidas do minibar ‒ façamos um cocktail. Eu faço para ti e tu para mim.

‒ De acordo.

Pegaram as garrafas e copos, e preparam as bebidas de costas voltadas, para não se estragar a surpresa. Ela chorava, enquanto dissolvia a cápsula de cianeto. Ele tremeu-lhe a mão, na altura de adicionar a estricnina, que caiu fora da taça, e teve de repetir para acertar. Confecionados os cocktails, olharam-se, e enquanto os seus olhos quase se traíam de tão tristes, sugeriram:

‒ Brindemos!

‒ Um tema de Natal?

‒ Sim.

Ergueram as taças, e antes de beber, disseram:

‒ Não matarás!

 

Fontes:

Blogue Local do Crime, 20 de Outubro de 2024

Secção O Desafio dos Enigmas [195], …

 

© DANIEL FALCÃO