BLOGUE: CONCURSO
DE CONTOS POLICIAIS UM CASO POLICIAL NO NATAL O
CONTRATO | Fernando A.F. Aleixo O
FANTASMA DO HOTEL INFANTE SAGRES | Bernie
Leceiro A MINHA
NOITE DE NATAL | Paulo PRAZERES
DE NATAL | O Gráfico A
PRENDA DE NATAL DA MARTINHA | Paulo AMEM-SE
UNS AOS OUTROS | Inspector Moscardo YHWH
| L. Manuel F. Rodrigues CHEGARAM
OS PAIS NATAIS… | Abrótea A MORTE
DO PAI NATAL… | Paulo SONHO
DE UMA NOITE DE NATAL | Rui Mendes UM
CRIME NA NOITE DE NATAL | Paulo UM NATAL
DOS DIABOS | O Gráfico EM
FLAGRANTE – SHORT STORY | Investigador Canário NATAL A
DOIS | Don Naype FELIZ
NATAL | Inspetor Al Vy Tã T A DEUSA
ESCANDINAVA | F. Mateus Furtado QUEM
TIROU OS PRESENTES? | Rigor Mortis BASEADO
NUMA HISTÓRIA VERÍDICA | Detetive Jeremias ERA
VÉSPERA DE NATAL | Arjacasa SONHOS DE NATAL | Madame
Eclética |
SONHOS DE NATAL Madame Eclética Amélia era uma
miúda estruturalmente alegre e desempoeirada, uma morenaça muito gira e dada
à brincadeira. Espalhava o seu charme pelas redes sociais, onde foi
conquistando seguidores atrás de seguidores sem temer que aquela sua aventura
pelo mundo virtual viesse a degenerar numa qualquer invasão indesejada da sua
vida privada. Até que um dia começou a ser assediada por um grupo de tarados
que se autointitulavam “Sonhos de Natal”. Primeiro, começaram com uns piropos
pueris e aparentemente inocentes, para depois se insinuarem com uns convites
de cariz sexual, primeiro um pouco brejeiros e mais tarde ordinários e
pornográficos, em qualquer das três contas por ela geridas nas redes sociais.
Mas de nada valeu a sua pronta e forte reação contra aquelas atitudes nem o
subsequente bloqueio das indesejáveis criaturas. Os contactos
passaram a ser feitos através do telemóvel e do telefone de rede fixa, sem
que se percebesse como aqueles tarados conseguiram ter acesso aos respetivos
números. Amélia deixou de atender as chamadas de números desconhecidos ou
anónimos e as mensagens escritas passaram a ser a ferramenta de assédio, com
uma catadupa de insultos e ameaças. Face a este comportamento, ela
denunciou-os à polícia. Mas ao contrário do que se esperava, o resultado foi
desastroso. É verdade que os telefonemas, as mensagens e os comentários nas
redes sociais terminaram, mas eles passaram a esperá-la, em grupo, à porta de
casa e do emprego, limitando-se a sorrir e a soltar frases de cariz sexual,
como “és boa com’ó milho, meu pintainho”, “comia-te
toda, minha pombinha”, “lambia-te dos pés à cabeça, meu chupa-chupa de
chocolate.” Amélia deixou
de trabalhar, enfiou-se em casa, não saía com ninguém e mal comia. As noites
eram muitas vezes passadas em claro ou assombrada por pesadelos, quando
conseguia pregar olho, acordando nessas alturas em sobressalto e encharcada
em suor, tremendo que nem varas verdes. De manhã, mais ou menos à hora em que
habitualmente saía para o emprego, quando olhava pela janela, encoberta pelas
persianas de seu quarto, lá estavam os “Sonhos de Natal”. Invariavelmente,
eles ficavam estacionados na rua defronte da casa dela, encostados à parede
de olhos fixos na sua janela. E só desmobilizavam quando a polícia chegava
junto deles, a seu pedido. Mas mal os agentes voltavam costas, lá vinham de
novo os rapazes, como se não tivessem mais nada que fazer na vida a não ser
incomodar a rapariga, que não sabia como agir. Após
frequentes apelos da mãe, Amélia abandonou de vez as redes sociais, onde era
massacrada com frequentes provocações de teor sexual por amigos dos “Sonhos
de Natal”. E aos poucos voltou a sair de casa, sempre na companhia de uma
prima, um pouco mais nova, para se distrair em locais fora da cidade ou
cumprir as consultas técnicas especializadas a que fora aconselhada. Nos
intervalos em que a polícia punha os rapazes com dono, saíam ambas de casa e
corriam para o lado oposto ao sítio por onde eles haviam fugido, diretas à
estação de metro do Jardim do Morro. Aí, encobertas pela cobertura-abrigo da
estação, esperavam calmamente até chegar as carruagens que as levavam a São
Bento ou a Santo Ovídio. De São Bento rumavam a Espinho ou a Aveiro; de Santo
Ovídio o destino era sempre um prédio azul da rua Soares dos Reis. No terceiro
andar daquele velho prédio da rua Soares dos Reis, dava consultas de
psicologia um jovem muito bem-parecido, recentemente formado, com fama de ser
muito competente. Num desses dias de consulta, a priminha da Amélia ficou na
sala de espera, como sempre acontecia, enquanto ela entrava no consultório do
Dr. Paulo Mamede. Cabelo loiro comprido, com melenas caindo sobre as
sobrancelhas espessas que encimam os seus brilhantes olhos verdes, um sorriso
permanente nos lábios carnudos bem desenhados e uma voz cava e melodiosa. O
sol entrava pelas altas janelas do consultório, dando ainda mais brilho ao
rosto moreno do psicólogo, que esperava sentado a sua paciente, com as mãos
pousadas sobre o tampo da secretária pejada de livros. Amélia avançou até
ele, que lhe apontou a cadeira em sua frente, onde se sentou. As pernas de
Amélia tremiam, as mãos suavam e o rosto ruborizava, o que sempre acontecia
nestas consultas. Esta era a terceira vez que o psicólogo a ouvia e ela já
não sentia que conversava com um técnico de saúde. A conversa desta feita foi
sobre música, sobre os seus gostos musicais mais propriamente. E ficou a
saber que ele tinha mais uma coisa em comum com ela. Gostava de jazz! Tal
como ela, tinha um especial prazer em ouvir Miles Davis, Bille
Holiday, Chet Baker e Ella Fitzgerald, nomes maiores deste género musical
criado no início do século XX pela comunidade negra de Nova Orleans. Disse ele que era um gosto herdado de seu pai e
que tinha uma preciosa discoteca de vinil composta por temas jazzísticos,
acabando por convidá-la a ouvi-los em sua casa, numa tarde em que não tivesse
consultas, nomeadamente a um sábado. O coração de
Amélia começou a bater tão forte e tão descompassadamente, que se sentiu
desfalecer. E o pior foi ainda quando o psicólogo disse que nessa noite havia
um concerto natalício de Jazz no Convento Corpus Christi. Ele ainda não tinha
a certeza que pudesse ir, mas prometeu que faria todos os possíveis por
comparecer. A consulta, que mais pareceu uma conversa entre amigos, passou
depois por outros temas também do agrado de ambos. Falaram de cinema, de
artes plásticas e teatro, concluindo ambos que estiveram algumas vezes no
mesmo dia e no mesmo lugar, a assistir ao mesmo filme, a visitar o mesmo
museu, a ver a mesma peça. No final, imediatamente antes das despedidas, ele
recordou o concerto de logo à noite. E concluiu, dizendo que o receio de se
confrontar com os tais “Sonhos de Natal” não podia condicionar a sua vida. Quando a prima
Susana perguntou como havia corrido a consulta, Amélia só conseguiu balbuciar
“correu bem”. O seu peito rebentava de felicidade, mas ela não podia
confessar esse sentimento. E muito menos dizer de quem era a responsabilidade
por aquele seu estado de espírito. Era a terceira vez que consultava o
psicólogo Paulo Mamede, sempre por causa dos “Sonhos de Natal”, e pela
primeira vez percebeu que não lhe era indiferente como mulher. No caminho de
regresso a casa, a Susana perguntou-lhe por diversas o que se passava com
ela, tal era o seu estado de espírito. E quando a prima perguntou se queria
que ela lhe fizesse companhia até à hora de deitar, o que acontecia com
frequência, sobretudo depois das consultas ao psicólogo, Amélia respondeu de
supetão: “Não, deixa estar, não vale a pena. Hoje sinto-me muito bem”. Amélia não se
sentia apenas muito bem naquele momento. Na verdade, ela nunca se havia
sentido alguma vez melhor desde que se conhecia como mulher. Aquele homem
tinha tudo o que ela imaginara como seria o seu futuro companheiro de vida,
nas noites febris de desejo da adolescência. Havia algo nele que
descontrolava os seus sentidos, que a deixava perdida em sonhos que a
remetiam para fantasiosas experiências sexuais. E agora só pensava na hora de
o voltar a ver, logo mais, no Convento de Corpus Christi, embalada por aquela
louca paixão ao som de algumas das suas músicas de eleição, ao ritmo de jazz. Quando chegou
ao Convento Corpus Christi, atravessou o largo portão que dá acesso ao pátio
do monumento na esperança de encontrar a qualquer momento o homem por quem se
apaixonara. A entrada era livre, mas não era permitido o acesso ao local do
concerto após a hora marcada para o seu início e tinha como condição a
permanência obrigatória no espaço até ao final do espetáculo. Amélia olhou em
redor e não viu Paulo. Aguardou mais um pouco e quando chegou ao limiar da
hora do espetáculo resolveu entrar. A sala já estava repleta de pessoas e só
conseguiu lugar na última fila da plateia. Olhou as nucas que se perfilavam
na sua frente e em nenhuma delas conseguiu vislumbrar indícios da cabeça do
“seu” Paulo. Uma delas tinha um cabelo loiro com algumas semelhanças, mas as
dúvidas dissiparam-se quando se posicionou de perfil. A pessoa que
estava ao lado do loiro que a confundiu, voltou-se para este e… Amélia entrou em estado de choque. Era um dos “Sonhos
de Natal”! E ao lado desse estava outro. E mais outro. A rapariga ergueu-se
de um salto e correu para a porta de saída da sala, que abriu a custo. Um flash de luz encadeou-a. E à frente daquele clarão de luz
intenso, conseguiu vislumbrar um grupo de jovens rapazes de armas apontadas
para si, gritando. “Atenção! Preparar! Disparar!” Amélia soltou um grito
aterrador, ao mesmo tempo que correu desenfreadamente em direção ao portão de
saída do Convento. “Corta! Corta! Corta! Mas quem é que deixou passar esta
maluca?!” – berrou, através de um megafone, um homem
de chapéu de pala, que estava sentado numa cadeira de realizador, que tinha
impressa na lona do encosto… “Sonhos de Natal” – o título do filme em
rodagem… Fontes: Blogue Local do Crime, 5 de Fevereiro de 2025 Secção O Desafio dos Enigmas [202-203], … |
© DANIEL FALCÃO |
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